O indio em Sergipe

Data: 21/11/2010 | De: Lizaldo Vieira

OS ÍNDIOS EM SERGIPE
OS ÍNDIOS EM SERGIPE

Por: Marcos Santos Silva.

A autora levanta em seu texto pontos importantes sobre os povos indígenas que habitavam no território sergipano, dando um enfoque maior aos povos Tupinambá, devido à existência mais completa de fontes sobre sua existência em relação aos outros povos indígenas que viveram no território Sergipano.

O texto traz o elemento da pluralidade destas sociedades, levando em consideração a grande diversidade de povos e línguas faladas, presentes num mesmo território, onde muitas destas línguas foram extintas com seus povos. Em relação ao território de cada tribo, apresenta-se da seguinte forma: Os Tupinambá dominavam a faixa do litoral Sergipano, os Kiriri mais ao Sul de Sergipe, os Boimé, Kaxagó, Katu, Xocó, Romari, Aramuru e karapotó ao Norte de Sergipe próximo ao Rio São Francisco.

As relações sociais e de trabalho são diferentes entre as tribos e variam de acordo com seus costumes, os Tupinambá, por exemplo, uniam-se por laços de parentesco, alianças matrimoniais e atividades guerreiras. Nas aldeias as famílias viviam em malocas e cada maloca era representada por um chefe, que por sua vez se reunia com os chefes das outras malocas na tomada das decisões. O território da tribo era de uso comum, mas as roças cultivadas e os instrumentos pertenciam às famílias ou ao indivíduo que os produzia.

A divisão do trabalho entre os Tupinambá era feito a partir do sexo, as mulheres desempenhavam alguns tipos de atividades, como os cuidados com as malocas, com o plantio, cultivo, colheita, coleta e preparo de alimentos, com o auxilio nas pescarias, com a fabricação de redes, cerâmicas e bebidas, com a fiação do algodão e o cuidado com os animais domésticos, sendo que as mulheres velhas ainda recolhiam flechas para os guerreiros nas lutas.

Os homens em contrapartida derrubavam a mata, preparavam o solo para o plantio, caçavam, pescavam, fabricavam canoas, instrumentos de guerra, adornos, obtinham fogo, cortavam a lenha faziam a guerra e construíam as malocas. O chefe da tribo o “Principal” desempenhava as atividades como os demais índios.

Todos os alimentos produzidos, coletados, caçados ou pescados pertenciam a família que os produziu, mas a depender da época ou da escassez de alimentos, estes podiam ser divididos para atender as necessidades de todos, pois a generosidade era uma das formas de conseguir prestígio no grupo.

O casamento constituía um elo social importante, pois mantinha as alianças já existentes e se ampliava em novas alianças, que propunham a paz e a cooperação mútua. Os casamentos também podiam ser desfeitos e o homem a depender de seu prestígio perante o grupo poderia ter várias esposas, mas para poder casar-se o homem Tupinambá deveria ter morto pelo menos um indivíduo em guerra, sendo esse o seu rito de passagem para a vida adulta.

A guerra era uma oportunidade de vingar seus parentes mortos, de obter prestígio, de reafirmar seu território, de ser o rito de passagem para os Tupinambá mais jovens e de obter prisioneiros de guerra para serem sacrificados em rituais que fortaleciam as alianças com as tribos amigas.

Em relação ao colonizador, se as tribos reagissem ou atrapalhassem seus interesses, este passava a destruir as tribos, subjugá-las ao seu domínio ou até mesmo dizimá-las totalmente. E com a chamada “Guerra Justa”, os portugueses encontraram um subterfúgio legal para declarar guerras e obter escravos para o trabalho, contando com o auxílio de índios de tribos rivais para dizimar e escravizar outras tribos, incentivando os índios a guerrearem entre si, promovendo massacres, mas proibindo a antropofagia e os rituais indígenas, a exemplo a guerra de 1590 em Sergipe, onde há relatos que sob o comando de Cristóvão de Barros havia cerca de 3000 índios, seus prisioneiros foram levados para Bahia e escravizados.

Os missionários e os colonos tinham suas divergências, mas seus interesses eram os mesmos, pois ambos queriam escravizar os índios e tomar as suas terras, cada um a sua maneira. Com esse processo de perda de seus territórios, os índios foram levados para aldeamentos, onde ficavam sob a tutela de missionários e em conjunto a esse processo houve um outro o de promover casamentos entre brancos, índios e negros, nos aldeamentos, fazendo com que ao passar dos anos muitos dos aldeados perdessem suas características de biotipo, levando os índios a um novo estágio da opressão, a perda de suas terras pela força de uma lei chamada Lei de Terra de 1850, onde determinava que os índios que não possuíssem características indígenas deveriam perder suas terras.

Em Sergipe no ano de 1853, o Presidente da Província José Antônio de Oliveira Silva, pede ao Imperador a extinção da Diretoria Geral dos Índios em Sergipe, decretada extinta em 06 de abril de 1853. Com isso Sergipe passou a afirmar a inexistência de índios em seu território, amparado na lei iniciou a tomada de suas terras e deixou de ter obrigações para com a manutenção dos índios aldeados.


DANTAS, Beatriz Góis. Os Índios em Sergipe. Textos para a história de Sergipe. Aracaju. 1991. p. 19-56.
ENFORCADOS: “HISTÓRIA DO ÍNDIO EM SERGIPE”

1
João Paulo Araújo de Carvalho • Nossa Senhora das Dores, SE
3/6/2007 • 114 • 3

“Enforcados”, povoação que deu origem ao atual município de Nossa Senhora das Dores , remonta à idéia do enforcamento de alguns gentios que habitavam aquele local, idéia esta considerada durante muito tempo como uma lenda, a “lenda dos Enforcados”.

Sendo assim, o objetivo deste é mostrar que Enforcados não foi lenda, mas “História do Índio em Sergipe”, História esta marcada pela violência da colonização européia em solo indígena, pelo genocídio e pelo etnocídio. Desta forma, basearemo-nos nas obras de Ariosvaldo Figueiredo, Beatriz Góis Dantas, Capistrano de Abreu, Clodomir Silva, Felisbelo Freire, Frei Vicente do Salvador, dentre outros, mostrando assim que, diferentemente do que apregoou o Professor Severiano Cardoso, seguido por outros autores, Enforcados não se trata uma lenda, mas de um símbolo da resistência do nativo das terras de Cirigype contra o avanço colonialista europeu.

Entre os dias 13 e 31 de março de 1904, o Professor Severiano Cardoso publicava no Jornal “O Estado de Sergipe”, do qual era redator-chefe, uma série de fatos lendários que se perpetuaram no imaginário popular sergipano. Em 1961, para que estas fábulas tivessem “maior divulgação e perenidade na memória pública”, o Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGS), dava a referida publicação em sua Revista. Vejamos o que escreveu aquele professor sobre “Enforcados”:

“Dizem pessoas antigas que o nome Enforcados, primitivo da Vila de N. S. das Dôres, tem origem na seguinte lenda (grifo nosso): em tempos remotos consta terem sido enforcados alguns gentios que habitavam na freguezia, lugar de nome Gentio.

Mais tarde, indo alguns missionários pregar Missão na Vila, substituiu o nome pelo de N. S. das Dores, sendo castigado com pena de excomunhão aquêle que repetisse propositadamente o antigo nome” (CARDOSO, 1961, p. 87).

Recorrendo ao Aurélio, procuramos o significado do vocábulo “lenda” e encontramos a seguinte proposição: “1. Tradição popular. 2. Narração de caráter maravilhoso, em que os fatos históricos são deturpados pela imaginação do povo ou do poeta, legenda. 3. Ficção, fábula.” (FERREIRA, 2000, p. 422)

Partindo desta idéia, entendemos que a “divulgação e perenidade na memória pública” da lenda dos Enforcados tende a esconder o que representa esta palavra, sinônimo da resistência ao domínio de uma classe sobre a outra, ao domínio de uma cultura sobre a outra, ao genocídio e ao etnocídio aos quais foram submetidos ao longo dos séculos de colonização/exploração os nossos primeiros habitantes. Pois, como se referiu Ariosvaldo Figueiredo a cerca deste fato, “A lenda faz parte das idéias dominantes. Lenda, para a cultura oficial, é aquilo que o povo vê, sabe, sofre e diz” (FIGUEIREDO, 1981, p. 9).

Sendo assim, vemos que se faz necessário construir, como bem lembrou Michel Foucault, uma nova “vontade de verdade” que traga à tona uma nova interpretação dos fatos, mais próxima da realidade, e que não esconda a História por meio da idéia de que esta fora uma lenda, uma ficção, uma fábula, algo que só existe no imaginário popular.

Para começarmos a construção dessa nova “vontade verdade”, é de fundamental importância analisarmos a “Conquista de Sergipe”, guerra empreendida pelo colonizador português contra o indígena de Cirigype e finalizada em 1590, quando Cristóvão de Barros fundou a cidade de São Cristóvão, dando início à colonização/exploração daquelas terras.

Esta “Conquista” teve início em 1575, quando os jesuítas Gaspar Lourenço e João Salônio empreenderam Missão catequizadora àquele território, fundando aldeias e erigindo igrejas , que teriam por função a conversão do gentio. No entanto, esta empreitada foi frustrada pela presença de soldados entre os religiosos, o que fez com que estes perdessem a confiança dos naturais, abortando-se assim a tentativa de conquista pela fé.

Após a experiência de domínio pelo evangelho, recorreu-se, contra o gentio de Sergipe, às armas. Ainda em 1575, o Governador da Bahia vai comandar expedição conquistadora àquelas terras, “fazendo guerra implacável aos índios, aprisionando uns, afugentando outros, devastando aquelas comarcas, por simples desfastio destruidor”, como afirmou Capistrano de Abreu em seu Capítulos de História Colonial. (ABREU, 2000, p. 84)

Entretanto, mesmo saindo vitorioso, Luís de Brito e Almeida não deixará bases sólidas para a colonização naquele local, o que será entregue ao abastado fazendeiro do recôncavo baiano Garcia D´Ávila, que deveria iniciar ali a criação de gado, mal sucedida graças à resistência nativa. Assim sendo, a obra colonial portuguesa em Sergipe vai ficar abandonada até 1590, dando espaço aos franceses, antigos aliados dos gentios. Vale lembrar ainda que, a partir de 1580, Portugal está sobre o domínio político da Espanha devido à União Ibérica (1580-1640).

Desta forma, em 1588, Felipe II da Espanha – e I de Portugal – volta os olhos para aquela localidade e determina, por meio de Regimento, que seja feita “guerra ao dito gentio”, mandando “castigá-lo e lançá-lo fora da terra” (FIGUEIREDO, 1981, p. 46). Estava decretada, assim, “guerra justa” contra os índios de Sergipe, fato que será consumado entre os anos 1589 e 1590.

Mas, o que motivou este empreendimento, que ficou conhecido como “Guerra de Sergipe”?

Para Felisbelo Freire, deveu-se à necessidade de ligação entre os dois pólos da colonização portuguesa no Brasil, a Bahia – o centro político – e Pernambuco – o centro econômico -, e como conseqüência da expansão colonizadora baiana para o norte (FREIRE, 1891, p. 3 e 1995, p. 15). Além do mais, acrescenta Pires Wynne, a ameaça estrangeira, principalmente francesa, fez com que os homens do governo voltassem os olhos para o problema da colonização, pois, os francos, confirma Clodomir Silva, aproveitando-se do estado de abandono que se encontrava a obra colonizadora e sabedores das riquezas ali existentes, mantinham intensas relações comerciais com os nativos e, inclusive, pretendiam ali fixar-se (WYNNE, 1970, p. 41 e SILVA, 1920, p. 8).

Em Da Bahia a Pernambuco no século 16, o Professor Pedro Abelardo de Santana mostra as dificuldades enfrentadas pelos que se arriscavam a fazer a rota Bahia-Pernambuco ou vice-versa, seja por mar ou por terra ou mesclando ambas as formas. Viajem esta que durava de quatro dias a até três meses, a depender das condições climáticas e das monções (direção dos ventos), e que tinham motivações religiosas (fundação de aldeias e visita de padres), econômicas (captura de nativos, “guerra justa” e intercâmbio comercial) e político-militares (combate aos invasores de outras nacionalidades). (Ver: SANTANA, 2003).

No entanto, para Ariosvaldo Figueiredo, em seu Enforcados: o índio em Sergipe, no qual analisa este empreendimento no viés da questão indígena, “o que existe, simplesmente, é ambição colonialista, ambição que gera a ação militar, a guerra de Sergipe. Mais uma” (FIGUEIREDO, 1981, p. 48). Deste modo, o conflito seria fundamentado na busca por terras – que para o autor já estavam divididas antes da batalha -, riquezas e escravos, neste caso, escravos indígenas, os “negros da terra”. Pois, como citou Frei Vicente do Salvador, “sendo guerra tão justa, dada com licença de el´Rei, esperavam trazer muitos escravos” (SALVADOR, 1982, p. 96).

“O índio era então largamente utilizado como mão-de-obra escrava nas povoações portuguesas e nos engenhos que se espalhavam pela costa, particularmente para Bahia e seu Recôncavo. À medida que se expandiam os engenhos, aumentava a busca de escravos, que no século XVI eram sobretudo índios, mais tarde substituídos pelos africanos”. (DANTAS IN: DINIZ, 1991, p. 33)

Afinal, como afirmou Fernando Novais, ao iniciar-se a valorização econômica do território, a visão paradisíaca dos primeiros contatos foi logo dando lugar à “guerra justa” e a outros meios de preação do braço ameríndio, que deveria destinar-se ao trabalho compulsório nos empreendimentos europeus no além-mar. (NOVAIS IN: MOTA, 1995, p. 60)

A “guerra justa”, como entendeu Berta Ribeiro, estudiosa do Índio na História do Brasil, era uma forma de os portugueses ganharem a lealdade dos gentios amigos, eliminando seus inimigos, proteger os interesses dos colonos (que ganhariam terras e escravos) e destruir as “tribos” hostis . Para ela, a questão da escravidão do nativo teve como marco

“a vinda de Martim Afonso de Souza em 1531 e 3 anos mais tarde a divisão do Brasil em Capitanias Hereditárias, [quando] tem lugar a modificação das tranqüilas relações entre portugueses e índios. Já então, o escambo de produtos se torna inadequado, assumindo importância cada vez maior o uso do mesmo sistema para conseguir trabalho”. (RIBEIRO, 1983, p. 33)

Levando-se em consideração o argumento do autor de Enforcados, recorremos novamente à obra do Frei Vicente do Salvador, onde o religioso descreve as duas tentativas de conquistar Sergipe pelas armas (1575 e 1590). Lá, encontraremos as seguintes afirmativas: quando da primeira incursão, comandada por Luís de Brito, este “alcançou vitória, queimando-lhe as aldeias, matando e cativando a muitos”. Referindo-se à empreitada de Cristóvão de Barros, finalizada em 1590, ele é mais enfático ainda, ao citar que este lutou contra cerca de 20.000 (vinte mil) naturais, comandados por Baepeba, o que culminou com a morte de 1.600 (mil e seiscentos) gentios, tendo ido com ele para a Bahia 4.000 (quatro mil) destes na condição de escravos e tendo embrenhado-se nos sertões, para fugir deste genocídio, outros milhares. (SALVADOR, 1982, p. 63 e 96)

Sendo assim, como vimos em Figueiredo, a questão não pode ser simplificada apenas na expulsão dos franceses e na ligação entre Bahia e Pernambuco, mas deve levar-se em consideração a “ambição colonialista”, pois, esta “tão justa guerra” traria benefícios práticos como terras e mão-de-obra para os empreendimentos a serem ali implementados. Então, afirma o escritor malhadoense, era necessário ao português ocupar e defender as terras que receberam, desde antes de 1575, por meio de sesmarias. (Remeter a FREIRE, 1995, p.15) Além disso, Felipe II, que determinou a Barros conquistar Sergipe, era conhecedor da existência, naquelas paragens, de salitre que, no século XVI, era mais importante que o pau-brasil, pois, necessário à fabricação de pólvora, era por Portugal exportado da Holanda e de outros países europeus.(FIGUEIREDO, 1981, p. 47)

Desta maneira, finalizado o conflito em 1590 e

“Alcançada a vitória, e curados os feridos, armou Cristóvão de Barros alguns caravelões, como fazem na África, por provisão de el-rei, que para isso tinha, e fez a repartição dos cativos, e das terras, ficando-lhe de coisa e de outra muito boa porção, com que fez ali uma grande fazenda de currais de gado, e outros a seu exemplo fizeram o mesmo, com que veio a crescer tanto pela bondade dos pastos, que dali provém de bois os engenhos da Bahia e Pernambuco, e os açougues de carne.” (SALVADOR, 1982, p. 97)

É na repartição das terras que encontraremos a primeira referência a Enforcados povoação “que tão célebre nome deixou na História de Sergipe”, como afirmou Silva Lisboa. Trata-se de carta de sesmaria datada de 04 de outubro de 1606, onde Pero Novais de Sampaio recebeu do Capitão-mor Nicoláo Falleiro de Vasconselos a concessão de 2 (duas) léguas de terras devolutas que iam do Outeiro das Piranhas até Enforcados. A intenção era a criação de gado, mesmo fato que motivou a doação de lotes naquele local a Dominguos Llorenso, sócio de Novais em outra cessão, e Dominguos Fiz (06/10/1606) e a Bernardo Correa Leitão (08/07/1623).(Ver sesmarias em FREIRE, 1891, p. 349-422)

Clodomir Silva (1920), que nas comemorações do centenário de Sergipe publicou seu Álbum, traz-nos valioso depoimento a cerca da “Conquista de Sergipe”. Certamente baseando-se em Antônio José da Silva Travassos, Silva traça um mapa desta incursão e também do domínio dos morubixabas em cada região da futura Capitania.

Partindo dele, vemos que após fundar a cidade de São Cristóvão, Barros continua “sua faina de conquistador”, indo à procura dos chefes indígenas que ainda não havia vencido. Assim sendo, encontra forte resistência do cacique Sergipe (Serigy), tendo no combate com este morrido o chefe Siriry e sendo aprisionado Serigy, que fará greve de fome na prisão, ato comum entre os naturais – afirma o autor. Já nos domínios de Siriry, Barros recebe a visita de Japaratuba, que pede paz, sendo seguido pelo seu irmão Pacatuba. Dali, segue o conquistador para o território de Pindahyba, onde é igualmente recebido com pedidos de paz. A partir daí, mostra-nos o Professor Clodomir, ficou “senhor de toda extensão do arraial da ermida de Santo Antonio do Aracaju, até além do riacho Tamanduá, ponto onde ficavam as terras do cacique Pindahyba, como já ficara de diversos pontos do sul”. (SILVA, 1920, p. 10)

Analisando-se este trecho e comparando-o com o mapa anexo ao texto, vemos que Enforcados localizava-se justamente entre os territórios dos morubixabas Siriry e Japaratuba e dentro da área conquistada por Cristóvão de Barros.

Desta maneira, entendemos que quando Laudelino Freire (1902), de quem provavelmente Severiano Cardoso copia a informação e chama a mesma de lendária, diz que Nossa Senhora das Dores “chamava-se antigamente Villa dos Enforcados, por terem sido enforcados em tempos remotos (grifo nosso) alguns gentios que habitavam naquela freguezia”, podemos associar estes “tempos remotos” ao período da “Guerra de Sergipe”, pois, quando Barros chega ás terras do finado Siriry, recebendo os chefes Japaratuba e Pacatuba, que foram pedir-lhe paz, certamente houve resistência a sua empreitada colonialista, a essa pacificação que seria benéfica aos portugueses, resistência esta que foi punida, exemplarmente, com a morte na forca.

Do holocausto indígena em Sergipe, durante ou pouco tempo após a “Guerra de Conquista” quando tem início a colonização e exploração do território, vem a origem do nome Enforcados, que apenas 16 (dezesseis) anos depois do fatídico 1590 já aparece mencionado em cartas de sesmarias, sendo aquelas “terras devallutas que numqua foram povoadas de branquos”.

Afinal, a situação do indígena de Sergipe não foi diferente do que com este ocorreu em todo o território que hoje chamamos Brasil, nem da América Latina, pois, como informou-nos Eduardo Galeano, estudioso dos problemas deste continente,

“Desterrados em sua própria terra, condenados ao êxodo eterno, os indígenas da América Latina foram empurrados para as zonas mais pobres, as montanhas áridas ou o fundo dos desertos, à medida que se entendia a fronteira da civilização dominante. Os índios padeceram e padecem – síntese do drama de toda a América Latina – a maldição de sua própria riqueza.” (GALEANO, 2002, p. 59)

Por tudo isto, entendemos que Enforcados tornou-se o símbolo da resistência do índio de Sergipe à “ambição colonialista” do europeu, resistência ao genocídio – a morte física – e ao etnocídio – a morte cultural -, resistência ao cativeiro, resistência à opressão, resistência esta punida com a morte exemplar na forca. Assim sendo, Enforcados é a representação fiel da História do Índio em Sergipe, e na América, História de séculos de exploração e marginalização, mas, também, História de resistência e insubordinação.


BIBLIOGRAFIA:

ABREU, Capistrano de. Capítulos de História Colonial, 1500-1800. 7. ed. Rev. anotada e prefaciada por José Honório Rodrigues. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Publifolha, 2000. (Grandes nomes do pensamento brasileiro).
CARDOSO, Severiano. “Lendas Sergipans”. IN: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (RIHGS). Aracaju, vol. XXI, nº 26, 1961, p. 87.
CARVALHO, João Paulo Araújo de. “‘Enforcados’ e a violência contra o indígena de ‘Cirigype’”. IN: Anais do VII Congresso de Iniciação Científica / XV Encontro de Iniciação Cinetífica PIBIC-CNPq/UFS; Sergipe, 2005. São Cristóvão, SE: UFS / PIBIC-CNPq, 2005. p. 422.
DANTAS, Beatriz Góis. “Os Índios em Sergipe”. IN: DINIZ, Diana Maria de F. L. Textos para a História de Sergipe. Aracaju: UFS / BANESE, 1991.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio Século XXI Escolar. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2000. 4. ed. rev. ampliada. p. 422.
FIGUEIREDO, Ariosvaldo. Enforcados: o índio em Sergipe. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981. (Coleção Estudos Brasileiros, v. 52).
FREIRE, Dr. Felisbelo Firmo de Oliveira. História de Sergipe (1575-1855). Rio de Janeiro: Typographia Perseverança, 1891
______. História territorial de Sergipe. Aracaju: Sociedade Editorial de Sergipe / Secretaria de Estado da Cultura / FUNDEPAH, 1995.
FREIRE, Laudelino. Quadro Chorográfico de Sergipe. Rio de Janeiro: H. Garnier, Livreiro-Editor, 1902.
GALEANO, Eduardo. “A Semana Santa dos índios termina sem ressurreição”. IN: As veias abertas da América Latina. Tradução de Galeano de Freitas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002. p. 57 - 62.
NOVAIS, Fernando Antonio. “O Brasil nos quadros do Antigo Sistema Colonial”. IN: MOTA, Carlos Guilherme (org). Brasil em perspectiva. 20ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
RIBEIRO, Berta Gleizer. O Índio na História do Brasil. São Paulo: Global Editora, 1983.
SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil (1500-1627). Belo Horizonte: Itatiaia, 1982.
SANTANA, Pedro Abelardo de. Da Bahia a Pernambuco no século 16: Viagens entre dois pólos da colonização do Brasil. Aracaju: UFS / SESC, 2003.
SILVA, Clodomir. Álbum de Sergipe (1820-1920). Aracaju: Estado de Sergipe, 1920.
SILVA LISBOA, L. C. Chorografia do Estado de Sergipe. Aracaju: Imprensa Official, 1897.
WYNNE, J. Pires. História de Sergipe (1575-1930). Rio de Janeiro: Editora Pongetti, 1970.

FONTES MANUSCRISTAS:

Acervo do Arquivo Público do Estado de Sergipe (APES):
- Pacotilha CM³ - 69 (Carta do Juiz de Paz - 30/11/1828);
- Pacotilha SS vol. 27 documento 07 (Comissão Eclesiástica 01/03/1836) e documento 13 (Assembléia Legislativa 22/01/1840);
- Pacotilha SS vol. 29 documento 37 (Assembléia Legislativa 25/05/1848);
- Resolução Provincial nº 491 de 28/04/1858.

Novo comentário