J. Inacio

Data: 14/11/2010 | De: Lizaldo Vieira


J. Inácio, artista da alma sergipana (Luiz A. Barreto)
Nem sempre a formalidade da crítica é capaz de revelar a arte e seus artistas, quando ...



Nem sempre a formalidade da crítica é capaz de revelar a arte e seus artistas, quando eles fogem dos enquadramentos estéticos. J. Inácio, nascido José Inácio de Oliveira, que também se assinou Igo, teve escola e suas obras, embora pareçam anárquicas, são a mais próxima expressão da alma sergipana. Não apenas pelas cores, fortes e repetidas, pelos objetos, tanto os internos da casa, da cozinha, como os externos, bananeiras, jaqueiras, outras fruteiras, que se fundem nas paisagens típicas da terra sergipana.


Vivendo muito, 96 anos, J. Inácio teve tempo de mesclar a sua arte, mas preferiu afirmar-se na repetição, deixando para os críticos o problema teórico da interpretação, como ele próprio prometeu, certa feita, ao falar de si mesmo. É certo que seu filho Caã herdou formas e cores, ainda que mantenha-se tímido, sem querer trafegar na esteira do modelo do pai. Outros seguidores, por onde andam com suas telas?

J. Inácio não precisou da morte para ser “santificado” entre os sergipanos. Sua vida errante, desapregada dos cânones tradicionais, não justifica, apenas, as três viagens que fez, a pé, do Rio de Janeiro, nem mesmo a convivência turbulenta com seu irmão santo, Padre Pedro. Sem casa, sem rumo diário para o exercício da sobrevivência, simplesmente tocou o cotidiano, sem requerer fortunas, ou mesmo soldos ou salários que pagassem suas magras contas. Vendeu quadros geniais como quem vende bananas, sem qualquer preocupação em diferenciar uma coisa da outra. Não raro foi tido como doido, eufemismo popular de patologias diversas de loucura, mas a tudo resistiu, com uma ponta de ironia, marcante em seu passeio de quase um século pelo mundo.

Não há, ainda, um inventário da obra inaciana. Nem da quantidade, tarefa desafiante, nem da qualidade, que vai exigir análise crítica. Há, contudo, alguma coisa escrita em torno da figura do artista, com reprodução de sua arte.

Eu mesmo, em 1985, escrevi um texto sobre a Arte Sergipana, para o livro A Arte do Nordeste (Rio de Janeiro: Spala Editora, 1986), no qual destacava a presença de J. Inácio na história da arte em Sergipe, dizendo:
Um artista, mais que os outros de Sergipe, tem tido uma trajetória singular. É J. Inácio, um tropicalista antes do Tropicalismo, um ecológico, a insistir em fixar bananeiras, jaqueiras e mangueiras nas telas que são, às centenas, espalhadas pelo Brasil. J. Inácio teve escola, passou pelo Rio de Janeiro, mas desgarrou-se para ser, na individualidade do seu estilo, um ponto de referência da arte sergipana.
Poeta e andarilho, J. Inácio fez o registro da vida do interior sergipano, simbolizando na casa de farinha o fazer e o sobreviver de uma gente sensível, que produz as mais diversas manifestações culturais e está com as mãos prontas para aplaudir, nas festas do Natal, os Reisados e Cheganças, Guerreiros e Pastoris, Cacumbís e Taieiras, ou, no São João, Bacamarteiros e Batalhões, Sambas de Roda e Emboladores de Coco.
Além do visual tropicalista e ecológico J. Inácio fez, no seu acervo de muitas obras, a parte fina de sua composição, ilustrando livros e folhetos a bico de pena, assinando Igo.


Andarilho, poeta, pintor e apaixonado pela sua arte e por sua terra. Este foi J. Inácio, um artista que com sua arte mantém viva a cultura sergipana e retrata a sensibilidade de quem produz e reproduz as mais diversas situações e localidades de sua terra.

Humilde por natureza e tradicional na profissão, Inácio não só salientou imagens como as de festas, folguedos, reisados, cheganças, bacamarteiros e batalhões, Sambas de Roda e emboladores de Côco, ele cravou no cenário da arte sergipana cores e traços que remontaram o fazer artístico e deu espaço aos mais diversos olhares. Dessa forma, abriu caminho para diferentes formas de se fazer arte.

“O ser humano surpreende muito com suas habilidades, ideias, ousadias, e este grande artista não foi diferente. Suas peculiaridades impressionam e sua arte sensibiliza qualquer um que pare diante de seus quadros”, diz o procurador geral do Ministério Público de Contas, João Augusto dos Anjos Bandeira de Mello.


Influências

"Além de sua influência tropicalista chegando ao ecológico, Inácio deixou claro em seus quadros cores e feições que nos aproxima mais do ser sergipano", diz pesquisador e apreciador de sua obra Luiz Antônio Barreto. Ele acrescenta que nem só de quadros viveu a criatividade do artista, ele também ampliou seu acervo para diferentes ofícios, pois trabalhou ilustrando livros e folhetos a bico de pena.

“Utilizou materiais naturais na construção de seus trabalhos. Fortemente influenciado por Jenner Augusto e Jordão de Oliveira, expôs seu talento pela primeira vez em 1931, na antiga biblioteca de Aracaju. Teve tempo de mesclar a sua arte, mas preferiu firmar-se na repetição, deixando para os críticos o problema teórico da interpretação”, enfatiza o pesquisador.

Lances pitorescos


“Parece que ele gostava de gente humilde e lugares simples como inspiração, além do que os quadros dele tem gostinho de nosso lar”. Esta afirmação veio da admiradora e jornalista Edivânia Freire. Segundo ela, é mais do que merecido o reconhecimento do centenário do artista.

“Minha trajetória como jornalista, em Sergipe, me ensinou que para seguir-se em frente e construir um futuro sólido e bonito, é preciso primeiramente reconhecer o passado. J. Inácio conseguiu se eternizar em nosso cenário artístico com a simplicidade de um bom serginano e com certeza os futuros artistas, os admiradores de arte e a sociedade de forma geral poderá se reconhecer em suas obras em qualquer tempo e onde quer que estejam”, frisa a sergipana.

“Ao olhar para suas obras percebo meu desafio como aspirante a artista, como estudante de artes e como web design. Muitas vezes penso que artistas como Inácio e Adalto não irão existir mais, mas depois percebo que estou errado. É um orgulho para mim, como sergipano, saber que um sergipano construiu o que ele construiu e é uma desafio para mim, como artista, colaborar com o cenário artístico do meu Estado, e garantir que artistas como Inácio e muitos outros não caiam no esquecimento”, enfatiza o estudante do curso de Artes Visuais/UFS Josué Azevedo.

Por Joanne Mota e Karina Garcia

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